Neo-engrenagem, por Anderson Lucas

Neo-engrenagem

            O celular desperta-me e força um abrir de olhos. Vou da cama direto para o chuveiro. Ás vezes, tenho a sensação que não existe mais um caminho entre o quarto e o banheiro.

         Abro o registro dando liberdade à água de correr pelo encanamento e cair sobre meu corpo. As gotas escorrem pela minha pele a obedecer à gravidade, em queda, buscam pelo ralo. Escoam.

         Não tenho tempo de sentí-las, pois quando menos percebo estou em frente ao espelho enquanto deixo meus olhos analisarem a roupa que irei usar hoje, mas estes mesmos olhos não têm o mínimo interesse em quem irá vestí-la.

         Ao apertar a gravata minha agenda eletrônica avisa-me que terei uma reunião em quarenta minutos. É importante que não me atrase. Para quem?

         Pego minha pasta, corro para o elevador e noto um aviso onde geralmente está meu reflexo na vidraça: “Em manutenção”. Mas estou atrasado. Busco a escada. Escorro por ela, como a água a escorrer pelo ralo.

         Não tenho tempo. Abro um aplicativo no smartphone e solicito um táxi, que logo chega. Entro. Bato a porta. Fecho as janelas. Estou só. No percurso analiso alguns documentos que passei parte da noite lendo, corrigindo e relendo. É importante estar pronto. Para quem?

         Desembarco do táxi. Corro para entrada do edifício. Passo minha digital na catraca principal. Um código aparece. Sou apenas um número? Não tenho tempo.

         Direciono-me para o corredor onde outros números, outras pessoas, esperam o elevador. Olhamos o visor a descrever os andares, como se nossas vidas dependessem disso. Foco.

         O elevador para em nossa frente, abre-se. Todos entramos. Aperto o botão do quarto piso. Ele começa a subir. Para no terceiro andar. Um número maior de pessoas embarca.

         A porta abre no quarto piso. Automaticamente corpos dão passagem, não perco a oportunidade, escorro entre eles.

         Passo pela recepção, uma jovem atrás do balcão fala algo sobre consulta médica e me pergunta como está o tempo lá fora. Paro de supetão. Mas não tiro o olhar da porta à frente com um letreiro pendurado escrito “Sala de reunião”. Sinto-me indefeso. Não sei o que responder a ela. Não lembro. Não vi. Olho rapidamente em seus olhos. Isso ainda é permitido? Pronuncio: “Desculpe, estou a atrasado....” A abandono com um sorriso que desfaz-se em minha face e uma testa que enruga-se.

         Giro a maçaneta da sala de reunião. Entro. Com um leve retorcer de lábios, cumprimento alguns presentes ou aperto suas mãos. Retiro os documentos da pastas e os coloco sobre a mesa, onde está um notebook ligado. Conecto a ele um pendrive contendo os arquivos, slides que serão utilizados. Todos na sala possuem pastas, documentos. Pendrives? Será um dia longo.

         Olho a tela, abro o arquivo. Volto a encarar a sala. Alguns olham relógios, outros encaram seus celulares e contraem seus rostos. Chego à conclusão de que ainda não começamos, mas já estamos atrasados.