Camadas, por Anderson Lucas

CAMADAS, por Anderson Lucas

Ouço o primeiro sinal. Toca o segundo sinal. Ecoa o terceiro Sinal.

A lâmpada de alerta pisca freneticamente imitando sirenes de ambulância!

Silêncio. Pá!!!! Eis que a porta do metrô fecha-se. À minha frente, na vidraça da mesma porta, reconheço um reflexo formado diante dos meus olhos. Eu? Sim, sou eu a brigar comigo. Fico na dúvida: qual de nós dois é o reflexo?

O chão move-se. Ou melhor, o metrô acelera e ao mesmo tempo me tira desse transe com o “outro”. Ouço o som das engrenagens ganhando impulso. Pelas lentes da janela, enquanto ele corre para próxima estação, vejo o mundo diluir-se diante dos meus olhos.

Ruas. Postes. Prédios. Crianças. Carros, motoristas e passageiros, devido à tamanha pressa do metrô em chegar, causa ilusão e transforma tudo numa grande aquarela de cor única. Cinza. Tudo é cinza. O céu. As poucas casas. O sapato vermelho da garota. Os olhos azuis do Senhor. Cinza. Tudo lá fora perde-se numa fumaça fictícia cor de concreto. Petrifica-se.

Subitamente o autofalante grita a próxima estação. LIBERDADE. Liberdade? A quem? À cidade de concreto pintada de cinza!

A estação aproxima-se, enquanto pessoas formam um exército de braço erguidos atrás do meu corpo. Os imito e ergo os braços. Estamos prontos para marchar. A porta abre-se a nos entregar a liberdade. Diante de nós um grande anúncio em letras garrafais nos apresenta a frase: “Divulgue no metrô, a audiência que vende”. É essa a liberdade? Somos audiência. Porcentagem. Mercadoria?

Todos saem, jogam-se à vida, alguns tão velozes quanto o metrô. A porta volta a fechar-se. Vejo novamente o reflexo e ao mesmo tempo o metrô arranca furiosamente como uma esteira de fábrica rumo a próxima estação e, assim, continua seu ciclo de produção levando outros passageiros para outras estações. Imagino-os vendo-me virar cinza. Concreto. Mercadoria?

Anderson Lucas participou do projeto de 2005 a 2010.