O homem que penhorava sonhos, por Felipe Stoner

O Homem Que Penhorava Seus Sonhos, por Felipe Stoner

Acordava todos os dias exatamente às 04h35 da manhã, levantava ainda contra a vontade de seu corpo, ingeria um pedaço de pão enquanto molhava outro pedaço no seu café. Estava pensando como seria sua jornada de hoje, mas sem demorar muito, para que não houvesse atraso, afinal, ele ainda não podia parar o tempo.
Saía de sua casa no mesmo horário, com sua roupa ainda um pouco amarrotada e o pescoço doendo, talvez por ter dormido mal ou por andar sempre de cabeça baixa...
Sentado no ponto de ônibus, na hora certa do transporte público chegar, porque já havia decorado o horário em que ele aparecia e era o único pensamento que girava em torno de sua mente.
Hoje ele torcia para conseguir sentar em um banco do ônibus, antes que ele lotasse, e toda vez que conseguia o tal feito, uma onda de satisfação o dominava. Era duro ter que viajar todo o trajeto a pé, ele descia no ponto final. Hoje choveu, mas ele esqueceu o guarda-chuva em casa...
Trabalhava o dia inteiro no computador, enquanto olhava a luz do sol pela janela...
Ele queria abrir, sentir os raios de sol e ser iluminado, mas não podia, não conseguia, a janela estava enperrada.
Quando ele corria para a saída, depois de mais um dia em sua jornada cansativa, era tarde demais, o sol já tinha ido embora. Mas ele iria voltar amanhã, talvez houvesse uma nova chance.
Era hora de voltar, de novo com o mesmo ônibus, só que dessa vez o trajeto era de retorno. Lá dentro havia pessoas como ele, derrotadas pelo cansaço, exaustas, outras animadas para chegar em casa.
Às vezes ele se perdia em alguns olhares, se apaixonava instantaneamente por outros, mas logo esquecia, desistia, não tinha coragem, não queria arriscar, tinha medo do novo...
Antes de chegar em casa, passava no mercado, fazia compras normais, o que seu bolso podia pagar, dizia boa noite para o caixa, e o outro retribuia...
Quase tropeçava voltando para casa, olhava tanto para baixo que esquecia de ver a Lua e as estrelas...
Voltava se arrastando, colocava a mochila na mesa, ia direto para a cama, não conseguia mais levantar para tomar um banho e refletir, talvez planejar, ele já se acostumou com tudo. Queria aproveitar mais o seu tempo de sono, então decidiu tomar banho depois que acordasse no dia seguinte. Ele já se deixava ir, não sabia mais se era uma máquina ou uma pessoa. O trabalho escravo já lhe fizera uma lavagem cerebral, ele já não conseguia mais pensar em mudar, em viajar, ele foi preso em correntes, em uma caverna, contra sua sombra.
Deixou de sonhar já faz alguns anos, decepcionou seu pequeno eu juvenil cheio de esperança, largou tudo que queria no meio do caminho e resolveu se agarrar ao que era mais fácil, que se tornou mais difícil no final das contas. Não quis lutar, correr atrás, não quis viver...
Acabou sendo pego pela massa e se tornou mais um número, foi embalado, rotulado e catalogado, para não mais sair do estoque. Ele poderia acordar de toda sua ilusão, mas não queria, suas rugas e sua auto-estima já o enterram há muito tempo...
Hoje ele pensou sobre tudo isso, antes de dormir, um brilho de esperança veio no seu coração, acendeu seu corpo, mas já eram 02h00 da madrugada, ele deciciu fechar o olho e dormir. Por mais que tenha sonhado acordado, tinha que levantar dali a algumas horas, para termimar sua carga horária, receber seu salário, e pagar o resto das dívidas.

Ele já pensou em se libertar, esse começo pode demorar, mas é a única coisa que ele pode se agarrar, para continuar a levantar todos os dias. Até lá, ele pode viver enquanto dorme, em seus sonhos, esperando por alguma aventura que seu inconsciente possa criar.