Podemos conversar?

 Podemos conversar? - por Anderson Teixeira

            Em 13 de maio de 1888 foi assinada a lei Aurea que aboliu a escravidão no Brasil, tornando o país o último do continente a acabar com essa máquina de moer gente. Ao contrário do que somos forçados a acreditar, a lei não foi assinada por bondade ou humanitarismo da princesa Isabel, haviam questões políticas envolvidas, rebeliões em senzalas e pressões internacionais de puro interesse econômico. A abolição, certamente, foi muito comemorada naquele dia, mas 14 de maio de 1888 sem dúvida foi o terror para todos esses novos cidadãos que recebiam em suas mãos a “liberdade”, pois não foi pensado, nem tão pouco criado qualquer tipo de política pública para inserção deles na sociedade. As grandes extensões de terra produtiva já possuíam donos e eles não queriam os antigos escravos mais ali, as cidades  em formação ou já formadas também nos os abrigou; dessa forma, os novos libertos foram brigando pela sobrevivência, incorporação e colocação numa realidade que os empurrava para margem social.

            Mesmo com a tentativa de um eugenismo no Brasil no começo do século XIX que previa que em 70 anos não existiram mais negros no país, segundo os últimos dados do IBGE nossa nação é composta de 54% de pessoas negras. Tivemos avanços sociais no decorrer dos anos desde a abolição, porém ainda vivemos rotineiramente com um racismo velado que resiste com muita força. Quer ver? Olhe os nossos padrões de beleza. Qual tipo de cabelo é considerado ruim? Veja o nosso congresso e os senhores que governam esse país. Olhe o “noticiário” e preste a atenção quem são apresentados como os bandidos e maus feitores, para justificar uma porcentagem de 68% de negros do total da população carcerária, sendo uma grande maioria enquadrada como suspeito ou por pequenos delitos por uma segurança pública que parece já ter escolhido seu alvo. Em novelas, filmes e comercias quem são os protagonistas donos da história? Busque saber qual a religião que sofre maior descriminação e resistência social, mesmo que nosso Estado seja laico. Dados de 2015 comprovam que no grupo dos 10% mais pobres do Brasil, três são negros.   

            Nossas escolas não tem conteúdo didático afro que possa iniciar a desconstruir a imagem discriminatória, mesmo existindo uma lei para adição desse material na grade dos anos letivos, mas o que é ”estudado” é apenas o período da escravidão dentro de um sistema econômico, mas não geramos discussões, fica parecendo quase uma reafirmação de algo, pois um criança ou jovem que passa por todo seu tempo escolar vendo o negro com escravo, sem entender a questão e tampouco a história do negro, dificilmente irá construir um senso crítico para destruição do racismo, pelo contrário, isso apenas será intensificado nos meios sociais, digo isso por experiência pessoal no período escolar. E assim somos educados, negros e brancos,  a ver imagem do negro como coisa menor e serviçal no processo histórico do Brasil.

            Uma das grandes discussões polêmicas atuais são as cotas para negros em universidade públicas. Sabemos que no Brasil a grande maioria das pessoas que se identificam como pretas ou pardas vive em situação de maior vulnerabilidade econômica e educacional e no país. Dados do IBGE comprovam que dos 30% mais ricos do país, apenas 20% são negros. Fazendo um caminho de comunicação das questões apresentadas com o retrato da educação pública, é no mínimo injusto dizer que um jovem negro dentro dessa realidade tem o mesmo conteúdo de ensino que um jovem com contato a educação particular. As cotas não são a solução para esse problema de acesso ao ensino superior e tampouco devemos nos contentar apenas com elas, mas já é um começo.

            Mesmo sendo maioria, nós ainda somos tratados como minoria por uma sociedade que diz não ser racista. Falar que o cabelo é ruim por ser crespo é racismo. Chamar de café-com-leite, moreninha, mesmo que seja seu amigo é racismo. Pintar de preto o rosto de um ator para representar uma pessoa negra é racismo, é gritar que aquele lugar não pertence ao negro. Às vezes cometemos pequenos atos e não achamos agressivo ou simplesmente achamos normal porque sempre foi assim. Também já cometi atos do gênero, tenho inúmeras lembranças do período da adolescência de situações onde ri de piadas que naquela época achava normal e inocentes ou mesmo praticando essas “graças”. Cabe a cada um analisar essas atitudes para entender o papel delas no mantimento de um sistema que é vergonhoso e um dos responsáveis pela desigualdade em nosso país. Busquei minhas origens, hoje entendo de onde vim, quem sou e não nego essa raiz.

            Em todos os lugares e a todo o momento discriminações acontecem, no trabalho, no ônibus, na escola dentre inúmeros outros lugares. Mas as pessoas fingem não ver e evitam discutir sobre o assunto. Nas redes sociais diariamente vemos casos de racismo. Alguns falam que o racismo vem crescendo muito. Ele não vem aumentando, sempre esteve escamoteado na nossa sociedade. A internet apenas deu poder àqueles que não têm coragem de expor-se.

            Enquanto não tocarmos na ferida, ela não irá se curar. A solução não está apenas em inserir nas escolas uma educação apropriada para entendimento do assunto, isso é essencial, mas unido a escola penso que deve ser feita uma ação que mova toda uma sociedade, porque não vai adiantar uma criança aprender algo na escola e a sociedade aplicar nela o beabá do racismo, então a família também devem ser reeducada, o poder público deve realizar ações educacionais com o interesse em gerar discussão, inserção no tema e entendimento do processo, para assim as pessoas absorverem a necessidade de  se respeitar e não definir alguém pela cor da sua pele. Junto a isso exigir dos meios de comunicação ações que promovam esse processo, pois as mídias são extremantes influentes na forma de pensar dos cidadãos, sendo que para muitos é a única forma de entretenimento. Temos de parar de ter medo de falar de assuntos que nos causam desconforto ou  fingir que eles não existem.

            Vi uma palestrante iniciar um debate sobre o assunto fazendo uma pergunta para a plateia. Primeiro ela queria saber se as pessoas tinham consciência ou dimensão da questão. Vendo que algumas pessoas mostraram-se alheias ou “leigas” do fato, ela perguntou: “Se vocês pudessem optar entre serem tratados como brancos ou negros dentro da nossa atual estrutura social, qual das opções seria da sua escolha?!” O silêncio e constrangimento veio como resposta, então ela acrescenta “Se sabemos disso, porque não fazemos nada?”. Pense sobre isso. Reúna pessoas, conversem sobre o assunto, a nossa hipocrisia diante da situação não nos levará a lugar nenhum, pelo contrário nos mantém preso a uma questão que deveria ter sido solucionada a 128 anos atrás. Chega de moer gente, porque o racismo ainda mata.