A chuva cai sobre a cidade, por Anderson Lucas

A Chuva cai sobre a cidade, por Anderson Lucas

Transito parado. Numa tentativa desesperada, motoristas nervosos e impacientes acionam as buzinas causando um som infernal. Pleno caos. Nada acontece.

No ponto, pessoas aguardam a chegada do ônibus, alguns expostos a chuva, outros abrigados na banca de jornal “Pássaro Livre”. Jornais e revistas que, habitualmente, ficam expostos, agora estão camuflados com uma toalha plástica.

A Chuva cai sobre a cidade.

A água corre pelas ruas desordenadamente, nenhum obstáculo consegue parar sua jornada. Ela carrega tudo o que encontra pela frente, garrafas de refrigerante, embalagens de bala, panfletos, sacolas, até uma boneca sem olho parece ganhar vida naquela correnteza urbana. Um cachorro ensopado brinca com uma criança embaixo do viaduto. Com seus dentes cravados no cobertor ele mede forças com o cachorro.

A Chuva cai sobre a cidade.

A Diretora da escola abre o cadeado molhado, remove as correntes enferrujadas e libera o portão para os alunos entrarem no pátio, mas o segundo portão que imita pesadas grades e dá acesso as salas, só será aberto às 7horas. Na cantina a “tia” abre pacotes de bolachas que serão distribuídos no intervalo.

Uma sulfite A4 tem impressa a informação que o professor de Filosofia está doente e não virá hoje. O telefone toca na sala da direção, alguém o atende. A professora de Sociologia avisa que bateu seu carro numa árvore que caiu sobre o asfalto devido a forte chuva. Não chegará a tempo.

A Chuva cai sobre a cidade.

O rapaz olha os pingos d´agua chocarem-se com o vidro transparente da janela enquanto a atendente verifica um horário na agenda. Ele é informado que hoje não tem mais vaga, porém em uma semana será possível. Enquanto aceita a notícia e passa sua carteirinha para a funcionária do hospital, outros chegam e entram na mesma fila que ele estava antes de ser atendido. Ao seu lado uma senhora aguarda e reclama por não ter ninguém no balcão preferencial.

A chuva cai na cidade, no relógio eletrônico, que mais se parece com um caixão abandonado no meio fio, pisca treze de maio, em seguida para uma propaganda qualquer. O preto dos guarda-chuvas e do asfalto funde-se ao cinza do céu, pintando esse dia com tons quase mortos e suas variações assustadoras.